Histats

sábado, 11 de janeiro de 2014

Canela



Chegou mais uma vez o Natal e com ele o perfume dos cozinhados, o aroma doce dos bolinhos, o cheiro a canela das longínquas terras do Oriente, que suavemente pousa e se agarra aos nossos cabelos, lutando persistentemente contra as essências dos nossos champôs, mas que acaba sempre por persistir. Porque, ao contrário dos últimos, o cheiro a canela transporta consigo uma grande história de vida e representa sempre muito mais, sabe a canela, sabe a rabanadas, a filhós, ao pauzinho perfumado a acompanhar a mousse ou o café da consoada, sabe e cheira a Natal.
Mas no meu tempo ainda não havia champôs com os seus aromas a flores, a fruta, a chocolate, a plantas, e sabe-se lá mais o que ainda hão de inventar, todos com mil e um efeitos magníficos para o cabelo! Dantes, dantes não, quando chegava a altura do Natal era uma honra ter o cabelo a cheirar a canela, pois houve alturas em que a canela era muito rara e combinava bem com o sangue azul! Nessa altura as criadas tinham o cuidado de exagerar na especiaria para que depois, nos locais por onde andassem, pudessem ver que já tinham tido contacto com um produto longínquo, quase do outro lado do mundo! E representava tanto e tanto luxo que até o bacalhau e o peru da época sabiam a canela, que era utilizada para tudo por quem era rico e queria mostrar as regalias. Não, não existiam Bimbis, existiam lendas e histórias dos navegadores e marinheiros que relatavam acontecimentos absurdos e fascinantes de saques e baús transportando canela, caídos ao mar e recolhidos junto com pedras preciosas, ouro ou outras riquezas, antes de chegarem às mãos das criadas e mais tarde aos pomposos e nobres banquetes.
Quando chegava o privilegiado dia, um dos poucos no ano em que se comia carne e peixe em abundância, tudo era servido na loiça chinesa, mas também ela era rara e muito valiosa, era admirada durante muito tempo e por muitas pessoas, com os seus desenhos em porcelana, uma novidade da época: Mas, uma vez mais, o que mais fascinava as pessoas era o facto de aquelas pecinhas terem sido feitas por outros povos, estranhos povos, por sinal, mas sim, realmente, havia que ter respeito, porque trabalhos daqueles não eram para qualquer um! E pensar no tempo que tinham levado a fazer, a adquirir, a transportar, nada que se compare ao simples gesto de “ir ali ao chinês comprar qualquer coisita”!
Os tempos passam, os hábitos mudam, mas a verdade é que quando chega o Natal, sempre continuamos a cheirar o aroma da canela na cozinha da avó.


Bárbara Sexauer

1 comentário:

Anónimo disse...

Cheira tão bem a canela e, cheira, sobretudo, às belas palavras que escreveste. Não percas esta tua veia literária e continua a deliciar-nos com estes cheirinhos e outros mais. Vai, entretanto, compilando a tua pequena, já vasta prosa, que tanto nos deleita. Quem sabe, um dia...

Beijinhos, Lígia Pereira